Conheci um cara quando eu tinha 15 anos, e aos 25 nos reencontramos. Ele se sentou e, como uma década atrás, começou a me contar a mesma ladainha sobre sua vida, cada detalhe, tim tim por tim tim. Falava-me ele de como sua família ascendera, dos primeiros anos de vida, marcados por suas peraltices, e da fama que logo lhe conferiu a alcunha de "menino diabo". E, como ele mesmo gostava de dizer, citando um poeta qualquer: "O menino é pai do homem" — e desse menino diabo nasceu o homem que agora se sentava à minha frente, repetindo, com a mesma empáfia de outrora.
Ah, leitor fofoqueiro, eu até poderia lhe contar sobre suas aventuras amorosas, mas não nos detenhamos a esse assunto trivial. Não que fosse relevante, mas um deles se prolongou por quinze meses e custou onze contos de réis. Outro, bem, era bonita e coxa, coxa e bonita; a outra, a flor do pântano, e temos ainda, vir, vir, Virgil, Virgília... Mas, deixemos essas profundas venturas de lado e voltemos ao que, de fato, mais me chamou a atenção no nosso brejeiro: o talento de louvar a filosofia do próprio nariz.
Quanto mais eu o ouvia, mais se estampava em meu rosto uma incredulidade, daquelas que nem mesmo quem lê Sade está preparado.
Leitor, o nosso Brás Cubas, sim, esse era o nome do nosso brejeiro, fazia parte da elite econômica brasileira. Não da intelectual, é claro, pois essa nobre distinção lhe era completamente alheia — tanto a ele quanto aos seus caros iguais. Brás, sim, Brás, formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra, mas não se iluda, caro leitor. Foi um estudante vulgar, daqueles que se limitam a decorar o esqueleto da ciência, a vestir-lhe a carcaça das fórmulas, sem, contudo, arriscar-se a tocar-lhe as entranhas. Mas, ainda assim, formou-se, pois o título de Bacharel lhe foi, como era de se esperar, concedido. Optou, então, por "advogar" os privilégios de sua estirpe, alheio ao clamor das desigualdades sociais, com uma convicção tão enfadonha quanto ridícula, convencido de que o único propósito do nascimento alheio, naturalmente, seria servi-lo — será que isso não está na lei? É algo que terei de conferir depois.
Posso até afirmar que jamais suou para comprar pão e beijos de cortesã, mas, por uma questão de conveniência, prefiro deixar que o leitor tire suas próprias conclusões, sem que me rotulem como crítica à digníssima classe responsável pelos avanços econômicos — não digo éticos, porque isso, convenhamos, atrapalharia os lucros. E não vamos querer que as futuras gerações de fidalgos deixem de existir por meros direitos trabalhistas e humanos, não é mesmo? Que continue, pois, a aristocracia...
Portanto, convém lembrar que o homem, ao menos, chegou a ser deputado e dono de jornal. No primeiro cargo, contribuiu com um discurso para diminuir a barretina da Guarda Nacional, ou, quem sabe, foi sobre a minoria se curvar à maioria? Não me lembro bem. Já no segundo, ah, esse não merece nem uma linha, visto que morreu seis meses após o primeiro número.
Ando a me cansar de contar a história desse infeliz, então vou encurtar a falação: indiferente às pessoas à sua volta, apegado à glória do arruído, morreu sem conhecer o casamento, sem filhos. Dizia ele: "Não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria." Balela! Apenas não quis admitir o fracasso em mais uma área de sua patética existência. E dessa existência, sou eu quem digo que só serviu para fazer peso na terra.
Mas espero que o encontrem para a repugnância pelo próprio crescer. Ele deve começar falando sobre o "emplasto Brás Cubas."
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