Na obra O Mal-Estar na Civilização, Freud explora a ideia de um "sentimento oceânico", entendido como uma sensação de união com o todo ou com o universo. Contudo, ele se questiona se tal sentimento seria, por si só, suficiente para originar as necessidades religiosas. Para Freud, um sentimento só pode ser considerado uma fonte de energia psíquica se for, ele mesmo, a expressão de uma necessidade profunda. Nesse sentido, ele defende que as necessidades religiosas não derivam diretamente desse "sentimento oceânico", mas sim do desamparo infantil e da nostalgia da figura paterna gerada por esse desamparo, algo que lhe parece irrefutável.
Não posso deixar de mencionar que essa passagem me fez lembrar O Sonho de um Homem Ridículo, de Dostoiévski, um dos grandes autores favoritos de Freud. Não cabe aqui simplificar a história do conto, que considero um dos melhores compêndios da obra do maior escritor que a humanidade já conheceu. Contudo, gostaria de me ater a uma parte que ficou em minha memória.
"Não quero e não posso acreditar que o mal seja o estado normal dos homens", afirma Dostoievski, ou melhor, o Homem Ridículo. Eu diria que esse sentimento oceânico, que evoca uma conexão profunda com o universo e com o bem, é, na verdade, a expressão da esperança que ainda reside em nós. Não se trata de algo puramente racional ou intelectual, mas de uma força viva que, mesmo nas almas mais atormentadas, encontra uma maneira de se manifestar. Esse sentimento está presente até mesmo nas pessoas que questionam a justiça do mundo, como Ivan Karamazov, personagem de Dostoievski, que se revolta diante do sofrimento das crianças, aquelas que não têm raiva de Deus, mas do mundo e da criação divina. Elas tentam entender a dor que as aflige, mas, ainda assim, não estão isentas dessa esperança. Na verdade, estão, de forma inconsciente, clamando pela Verdade, pois, sem o outro, não sabemos quem somos; definhamo-nos. Contudo, é apenas através de Cristo que conseguimos nos conectar com o outro de maneira autêntica, e não estou falando de religião. Retorno aqui ao sentimento oceânico. Quem compreendeu, compreendeu. Como disse um dos Espíritos em O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec: a dúvida é para os céticos endurecidos, o medo para os culpados e a esperança para os homens de bem."
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