Será que esbarrar no outro nos traz de volta à vida?

Existe um conto de Dostoiévski que, para mim, condensa toda a sua obra — e por muito tempo foi meu texto favorito dele, até Os Irmãos Karamázov“O sonho de um homem ridículo”. Esse conto fala sobre o abismo do niilismo, tema recorrente do autor russo.

O niilismo é a convicção filosófica de que tudo é indiferente, de que a vida é totalmente desprovida de sentido. O homem ridículo encarna essa visão: “para mim, dava no mesmo que existisse o mundo ou que nada houvesse em lugar nenhum”. Ele se encontra em um estado que transcende qualquer dicotomia — é a experiência da ausência absoluta de significado.

E se levamos essa ideia até as últimas consequências, como Dostoiévski faz com seus personagens, qual seria o ato racional mais coerente? O suicídio. Para o homem ridículo, isso seria um gesto de honestidade intelectual: se nada faz sentido, por que e para quê viver? Qualquer outra coisa seria covardia.

Mas é justamente nesse ponto extremo que algo acontece: uma coisa pequena, que parece insignificante, mas para o homem que carrega o vazio do tamanho de Deus, é algo grandioso, que ele não consegue elaborar. É nesse instante que a armadura do niilismo começa a ruir. Enquanto caminha decidido a se matar, ele é enxotado por uma menininha desesperada, encharcada, implorando ajuda: a mãe dela está morrendo. Fiel à sua filosofia do nada, ele a repele com brutalidade e continua o caminho. 

E, no entanto, o paradoxo nasce aí. Se nada tem importância, por que ele não consegue esquecer o rosto da menina? Por que a lembrança dela o persegue? Pela primeira vez, ele sente pena, e essa emoção que começa a romper a armadura do niilismo. A falha em seu sistema de crenças abre uma brecha por onde entra algo divino. A menina que ele rejeitou o salva, e ele adia o tiro. Porque, se nada importa, por que sentiu compaixão? 

A indiferença absoluta se desfaz diante do sofrimento do outro.

Há duas semanas, uma senhora se aproximou de mim na saída do trabalho. Ela disse que estava sem comer e pedia dinheiro. Tentei me afastar, racionalizando a situação como algo corriqueiro — "ora, milhares de pessoas pedem comida diariamente, mendigam esmola" —, transformando aquele pedido em mera rotina: dar o dinheiro e seguir em frente. Mas não consegui. Naquele instante, senti uma vontade irresistível de chorar, de pedir perdão a ela. Porque, por mais que eu tentasse me blindar, aquela pessoa me tocou profundamente. E ser tocado pelo outro é como um lembrete inevitável do que tentamos esquecer constantemente: que somos todos filhos de Deus.

O animal humano acha que pode, mas não consegue suportar a racionalização totalizante sem experimentar o inferno de não sentir Deus. O desejo de dominar, seja escalando, remodelando ou aniquilando a montanha como se fosse sua propriedade, a fim de explorar sem fim suas supostas potencialidades, deixa de ser divertido quando não há mais chão para sustentar. E é especialmente no olhar do outro — quando nos deixamos afetar por ele — que voltamos a sentir a presença divina.



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